Como o Ministério da Segurança Começou por Esconder a Verdade
Passageiros que desembarcaram em Maputo, vindos de Portugal, nos dias que se seguiram ao acidente de Mbuzini, foram alvo de aturadas buscas por parte de funcionários do Ministério da Segurança-Snasp destacados no aeroporto da capital moçambicana. Os homens da segurança moçambicana tinham instruções específicas para confiscar todos os exemplares do semanário português, Expresso, publicado em Lisboa.
A reportagem do Expresso era semelhante a um despacho enviado pelo correspondente da agência noticiosa portuguesa em Maputo, Augusto de Carvalho. Antes de desempenhar as funções de correspondente dessa agência no nosso país, Augusto de Carvalho havia sido director do semanário Expresso.
Os esforços da segurança moçambicana em lançar um véu sobre a tragédia de Mbuzini ficaram patentes num artigo da autoria de Luís Brito Dias, antigo piloto das LAM, e que foi publicado na última edição do Zambeze. No artigo, Dias revelou que o ministro responsável pela pasta da segurança havia feito “chegar aos pilotos da LAM a mensagem, tipo ameaça bem clara, para se manterem calados e não abrirem a boca.”
Em declarações posteriores à publicação do seu artigo, o Comandante Luís Brito Dias referiu que "a primeira indicação para nos mantermos calados foi dada verbalmente pelo então director das LAM, que nos avisou claramente de onde vinham as instruções.” Luís Dias acrescenta que “a outra vez foi numa discussão privada com uma pessoa muito chegada a Sérgio Vieira que até nos disse, num tom ainda mais ameaçador, que se nós (pilotos da LAM ) continuássemos a falar, acabaríamos presos." O Comandante Dias refere que "nessa conversa até estavam presentes outros dois pilotos da LAM que ficaram estupefactos com o tom da ameaça." Houve ainda uma outra ameaça nesse sentido, vinda de um dos membros da Comissão de Inquérito moçambicana", acrescentou a fonte.
É de salientar, que contrariamente ao que mandam as leis da aviação, a Torre de Controlo de Maputo, sob pressão do Ministério da Segurança, não emitiu, de forma atempada e coordenada, os avisos convencionais de alerta referentes a aeronaves em situação anormal, designadamente INCERFA (que reflecte estado de incerteza quanto à segurança de uma aeronave); ALERFA (reflectindo apreensão quanto à segurança de uma aeronave) e DETRESFA (em que há a certeza razoável de que uma aeronave e os seus ocupantes encontram-se ameaçados por perigo grave). Efectivamente, o primeiro aviso de alerta, sob a forma de DETRESFA, só foi expedido da Torre de Controlo do Aeroporto de Maputo, às 06h04 (hora local) do dia 20 de Outubro de 1986.
Os posteriores esforços da segurança moçambicana, que se ajustavam à campanha de desinformação em curso, serviam fundamentalmente os interesses da União Soviética que a todo o custo pretendia desviar as atenções que, inevitavelmente, centravam-se sobre a tripulação do Tupolev presidencial, cedida oficialmente a Moçambique pelo governo de Moscovo. Foi no âmbito desses esforços que as autoridades soviéticas deram instruções à sua missão diplomática em Maputo para evitar quaisquer contactos dos investigadores do acidente, tanto moçambicanos como sul-africanos, com o mecânico de bordo que havia sobrevivido ao acidente. O sobrevivente deveria ser transferido o mais rapidamente possível para a União Soviética, de acordo com as instruções recebidas na Embaixada deste país em Maputo.
Estes factos foram confirmados pelo membro do antigo Bureau Político do Partido Frelimo, Major General Jacinto Veloso, num livro de memórias publicado mais de duas décadas após o acidente de aviação de Mbuzini. Refere o autor de Memórias em Voo Rasante, que “quando elementos da comissão moçambicana de inquérito quiseram interrogá-lo [mecânico de bodo], o pessoal da segurança da embaixada da URSS impediu-os. Foram alegadas razões médicas óbvias e até houve a promessa de que, quando o tripulante estivesse recuperado e fora do estado de choque, a parte moçambicana poderia entrevistá-lo.”
O Major-General Jacinto Veloso acrescenta que “dois ou três dias depois, um dos membros da comissão de inquérito foi ao hospital para saber como estava o tripulante. Com enorme espanto, constatou que o pessoal da embaixada já o havia evacuado para Moscovo.” O autor salienta que “a Comissão de Inquérito de Moçambique protestou e pediu para ir a Moscovo falar com o tripulante, mas a embaixada informou que isso não era aconselhável e que as autoridades soviéticas iriam fazer o inquérito e transmitir as respostas às questões colocadas pela parte moçambicana.” Segundo Jacinto Veloso, “até hoje, pelo que sei, a parte ex-soviética não transmitiu qualquer informação sobre o assunto.”
O estado de saúde do sobrevivente foi apenas um pretexto para impedir que os investigadores do desastre tivessem acesso ao mecânico de bordo. Na realidade, os ferimentos contraídos por Vladimir Novoselov não eram assim tão graves que impedissem a prestação de depoimentos, pois num curto espaço de tempo havia deambulado de uma unidade hospitalar para outra. Do local do acidente, Vladimir Novoselov foi evacuado para o Hospital de Nelspruit e pouco tempo depois para o Hospital Militar 1 em Pretória, e deste para Maputo. Daqui acabaria por ser transferido para Moscovo, num voo de longo curso. Nada disto condiz com uma pessoa cujo estado de saúde obrigue a que fique isolada numa unidade de cuidados intensivos, como pretendeu fazer crer a Embaixada Soviética em Maputo e que Jacinto Veloso denuncia no seu livro.
ZAMBEZE – Maputo, 04 de Setembro de 2008